sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Capítulo V

               A ortografia era completamente diferente da ortografia que comumente usava-se. Tratava-se  de freqüentes riscos sobre os “Es” e diversas palavras terminando com três vogais e x. Eu não fazia a mínina idéia do que estava escrito na carta, nem o porquê de estar escrita tão diferentemente de minha carta original. Reli o mesmo pedacinho de papel três vezes enquanto caminhava pela rua. Cheguei à triste conclusão de que precisaria de ajuda para decifrar o que continha naquela carta, e pensei em convocar Stephan para me ajudar nessa tarefa. Caminhei até a casa verde claro e vi os cabelos ruivos da mãe de meu amigo me mirando de costas na cozinha. Passei pelo pequeno jardim e bati à porta, vi sua silhueta se mexer até chegar a soleira e abrir delicadamente a porta para mim. Perguntei-lhe se Stephan estava, ela acenou positivamente a cabeça e indicou-me o caminho. O menino de sentado no sofá tinha cabelos castanhos claro, que coincidentemente combinava com a cor de seus olhos, era também muito magro e alto o que lhe deixava com ares de mais velho. Ele percebeu minha presença e pareceu surpreso- nunca havia visitado sua casa antes-. Sentei-me ao sofá cor de musgo e expliquei-lhe o que havia se passado. Stephan ficara tão curioso quanto eu sobre a carta e resolvemos, então, ir até a biblioteca nacional. O antigo prédio não ficava há muitas quadras dali e, no caminho até lá tive o pensamento de, além de procurar sobre o significado da carta, procurar um exemplar do livro de capa vermelha que meu irmão sempre carregava, afinal, a biblioteca nacional continha uma coleção de livros magníficas, não contando com raras exceções como livros insinuantes, livros de magia negra ou outros livros proibidos pelo governo.
                A entrada da biblioteca era composta por quatro vigas enormes que sustentavam uma projeção que continha os escritos indicando a função da antiga construção.  Entramos então no gigantesco complexo e perguntamos a para a recepcionista onde era a seção de livros estrangeiros.  A bibliotecária de meia idade pasmou e arregalou os olhos como se a inteira seção de livros estrangeiros estivesse proibida, até que então ela recuperou o fôlego e falou em uma voz baixa:
- A seção  de livros estrangeiros fica na parte 28- disse a mulher apontando para o mapa da biblioteca que ficava acima de sua cabeça.
                A seção parecia longe, mas eu estava determinado a saber o que estava escrito na carta, e, além disso, agora me afetava uma curiosidade em saber o que havia de errado com a seção 28. De acordo com Stephan, há algum tempo atrás a seção de livros estrangeiros tratava-se de uma das primeiras da biblioteca e que, aparentemente, a mudança de local da seção inteira havia sido demasiado recente. No caminho até a seção pus-me a procurar pelas estantes de livros algo que se parecesse com o livro de meu irmão, mas as capas dos livros nunca eram envelhecidas o bastante, ou vermelhas o bastante, ou não havia o contraste entre a capa vermelho sangue, o título preto e o símbolo estranho que a capa do livro secreto de meu irmão ostentava.
                A seção 28 era a última da biblioteca, tratava-se de um lugar tão empoeirado quanto escondido. Aparentemente havia algum tempo que ninguém visitava aquela seção, provavelmente desde a mudança de local que ela recebera. Os livros estavam separados por línguas, inglês, espanhol, francês entre outras. Começamos a procurar e certificamo-nos de pegar um exemplar de cada língua que suspeitássemos que fosse. A antiga mesa de cedro agora continha quatro livros diferentes em cima, todos forrados de uma capa azul marinho e com os títulos em dourado. Tratavam-se dos dicionários de sueco, francês, polonês e espanhol. Começamos a folhar pelas páginas dos antigos dicionários, e agora, além de aturdido para achar ao menos em que língua era escrita a carta, preocupava-me com o fato de que o livro vermelho não se encontrava em nenhuma das estantes da biblioteca, começava a questionar-me se a reação espantada da bibliotecária ao saber por qual seção procurávamos teria alguma relação com aquele livro misterioso. Fui içado de meus pensamentos por um toque animado de Stephan em meu antebraço. Ele sorriu e me mostrou no dicionário a palavra final da carta escrita na língua desta e após disso traduzida. Li e tive certeza de que havia, então, descoberto o mistério da língua, apenas não entendia o seu motivo e nem o contexto que daquela palavra na carta.
- “Rejeté” - repeti.